Projetados para identificar e abater outros veículos aéreos não tripulados, objetivo é atingir os drones Shahed, de design iraniano, que têm estrutura triangular e são produzidos em massa na Rússia
Drones Shahed: tecnologia iraniana usada pela Rússia desafia defesas aéreas da Ucrânia com ataques em larga escala (Jose Colon/Getty Images)
Agência de notícias
Publicado em 3 de junho de 2025 às 07h43.
Uma batalha está se formando nos céus da Ucrânia e da Rússia, à medida que a engenhosidade dos engenheiros de drones de ambos os lados abre novas oportunidades e ameaças muito além das linhas de frente. Isso ficou evidente no domingo, quando a Ucrânia lançou uma série dramática de ataques em território russo, danificando uma parte significativa da frota de bombardeiros estratégicos do Kremlin.
Na mesma ocasião, a Rússia lançou um dos maiores ataques com drones e mísseis contra Kiev. A escalada desencadeou uma nova onda de inovações: a Ucrânia está desenvolvendo uma geração de drones projetados para identificar e abater outros veículos aéreos não tripulados (ou UAVs, na sigla em inglês). O objetivo é atingir os drones Shahed, de design iraniano, que têm estrutura triangular e são produzidos em massa na Rússia.
Oleksandr Kamyshyn, conselheiro do ministro de Indústrias Estratégicas da Ucrânia, disse em uma entrevista recente que a Ucrânia está aumentando a produção de armas que tiveram sucesso em derrubar drones do tipo Shahed em Kiev e na região ao redor.
A questão ganhou ainda mais urgência à medida que os bombardeios russos se intensificam, antecipando as negociações de paz desta semana em Istambul. Em maio, a Rússia demonstrou que consegue lançar centenas de mísseis Shahed regularmente, sinalizando sua crescente capacidade.
Os crescentes ataques de drones sobrecarregaram os sistemas de defesa aérea ucranianos e levaram a um número maior de mortes de civis desde que o presidente dos EUA, Donald Trump, começou a pressionar pelo fim dos combates em fevereiro, com apelos aos líderes da Rússia e da Ucrânia.
A proliferação de tecnologia de drones baratos nos últimos anos alterou radicalmente os campos de batalha, com Forças Armadas tradicionalmente poderosas frequentemente perdendo. As armas de baixo custo podem destruir equipamentos com preços muito mais altos, incluindo tanques, navios e até mesmo outros drones mais valiosos.
Essa tendência foi destacada pela operação de domingo que atingiu quatro bases aéreas russas, incluindo uma no leste da Sibéria. Os ataques danificaram cerca de um terço da frota de bombardeiros estratégicos da Rússia, de acordo com o presidente ucraniano Volodymyr Zelensky. A Ucrânia estimou os danos em pelo menos US$ 2 bilhões, segundo um funcionário do Serviço de Segurança que pediu para não ser identificado, pois os detalhes não são públicos.
Uma dinâmica semelhante ocorreu no Iêmen, um dos países mais pobres do mundo, onde os houthis atingiram com sucesso drones de vigilância americanos com mísseis terra-ar. Militantes houthis abateram pelo menos sete drones Reaper, cada um custando cerca de US$ 30 milhões, em um período de seis semanas durante a campanha de bombardeios dos EUA, informou a Associated Press em abril. Logo depois, Trump ordenou a interrupção da campanha e anunciou um cessar-fogo com o grupo.
A defesa contra ataques de drones é historicamente cara. Israel, que possui o sistema de defesa aérea mais bem-sucedido do mundo, testado em batalha, depende principalmente de mísseis caros para abater ameaças. Em maio, o Ministério da Defesa israelense reconheceu ter utilizado armas a laser durante a guerra em curso para impedir "dezenas" de ataques aéreos, inclusive de drones. Sistemas a laser, como drones interceptadores, têm custos operacionais muito menores.
Três fabricantes nacionais fabricam caças Shahed que custam cerca de US$ 5 mil cada, de acordo com Kamyshyn, assessor do ministro da Indústria. Executivos entrevistados para esta reportagem disseram que alguns interceptadores em desenvolvimento podem custar apenas US$ 300 cada.
As estratégias que utilizam e seu grau de autonomia variam. Alguns buscam explodir perto de um drone inimigo para derrubá-lo, enquanto outros voam como uma bala e precisam acertar em cheio.
O que eles têm em comum é que são relativamente baratos. Os Shaheds, com um custo estimado em cerca de US$ 35 mil, são os drones de ataque unidirecionais preferidos da Rússia, de acordo com o Centro de Estudos Estratégicos e Internacionais.
A Origin Robotics, fabricante de drones com sede na Letônia, está entre as muitas empresas que buscam combater Shaheds. A Origin enviará drones de teste para a Ucrânia em junho, que explodirão nas proximidades de UAVs que se aproximam para destruí-los.
— Assim que se aproxima o suficiente de um alvo, uma ogiva detona e o alvo é atingido por fragmentos — disse o CEO da Origin, Agris Kipurs, em entrevista em uma conferência sobre drones em Riga na semana ada. — Ela é usada exatamente para esse tipo de alvo: grandes munições armadas e de longo alcance.
Embora o cálculo econômico esteja a favor da Ucrânia, os drones ainda não são bem-sucedidos o suficiente para substituir outros sistemas de defesa aérea, de acordo com o analista da Bloomberg Intelligence, Wayne Sanders.
A ideia de construir interceptadores de drones encontrou apoio no mais alto nível da liderança ucraniana. Zelensky discutiu as táticas de campo de batalha da Rússia e o aumento dos bombardeios aéreos com seu conselho de guerra na semana ada, e ordenou que seus principais comandantes militares e chefes de inteligência investigassem contramedidas.
— Agora temos jatos para abater drones — disse Zelensky, acrescentando que eles enfrentaram um problema com os ataques de Shahed. — Também estamos avançando na direção de interceptadores de drones.
Zelensky também está pressionando os aliados para que doem US$ 30 bilhões até o final do ano para aumentar a produção nacional de armas.
Os caçadores de drones também têm outras limitações. Eles não conseguem se defender contra os sistemas de mísseis mais potentes da Rússia, que são mais rápidos e têm mais poder de fogo que os Shaheds. Os mísseis Patriot, fabricados nos EUA, que custam entre US$ 3 milhões e US$ 6 milhões cada, são a maneira mais eficaz de atingir essas armas.
— A dependência dos EUA tem sido evidente tanto de forma direta quanto indireta — disse Sanders. — Financiamento direto de capacidades armamentistas, bem como investimentos indiretos em capacidades de manufatura ucranianas para que pudessem desenvolver suas próprias indústrias.
Atualmente, a alternativa aos drones interceptadores costuma ser soldados com metralhadoras montadas em caminhões, uma solução de baixa tecnologia com baixa taxa de sucesso, que se agrava quando os alvos voam em altitudes mais elevadas. Kiev também utiliza sua pequena frota de caças F-16, doados por aliados da Otan, para abater drones. A Ucrânia já sofreu mais de 20 mil ataques de drones de longa distância nos mais de três anos de combates.
A tecnologia russa também não está parada, de acordo com Carl Larson, diretor executivo da Defense Tech for Ukraine, um grupo internacional de voluntários que fornece equipamentos para a Ucrânia.
Os drones russos de asa fixa agora são frequentemente equipados com câmeras traseiras e programados para realizar manobras evasivas caso avistem um drone tentando interceptá-los, disse Larson em uma entrevista.
— É imensamente dispendioso, ineficiente e, francamente, difícil atingir fisicamente um drone com outro drone — disse ele.
A Ucrânia está desenvolvendo drones de asa fixa que podem atingir aeronaves russas, além de outros drones que carregam espingardas sem recuo para abater aeronaves inimigas, disse Larson.
A Skyfall, uma das maiores produtoras de drones da Ucrânia, está aprimorando seu popular modelo de visão em primeira pessoa para interceptar UAVs, de acordo com um porta-voz da empresa que pediu para não ser identificado devido a questões de segurança.
Drones FPV, como os usados para atingir os bombardeiros estratégicos russos, tornaram-se uma arma essencial para ambos os lados da guerra. Eles podem voar a velocidades de até 160 km/h com pequenas cargas explosivas.
Esses drones já causaram uma reformulação radical de como a frente é organizada, forçando os soldados a evitar se concentrar em grupos e a empurrar veículos e outros equipamentos muito mais para trás das trincheiras para evitar serem atingidos.
Como os FPVs são cada vez mais usados para atingir outros objetos voadores, eles também podem mudar os céus.