Fachada de muro da Universidade Harvard: em meio a embate com governo Trump, estudantes brasileiros relatam incertezas (Brian Snyder/Reuters)
Editor de Macroeconomia
Publicado em 27 de maio de 2025 às 14h57.
Última atualização em 28 de maio de 2025 às 11h45.
A semana final de maio é especial para alunos universitários dos Estados Unidos. Em geral, é quando eles se formam, em cerimônias grandiosas, com pompa, circunstância, beca e estolas. Esse momento é particularmente significativo para estudantes estrangeiros no país, pois suas famílias chegam em hordas e tentam entender como funciona a vida de estudar por lá. Na Universidade Harvard, a cerimônia é emblemática: acontece no ilustre Harvard Yard, no pátio entre a biblioteca Widener, a maior biblioteca universitária do planeta com 3,5 milhões de exemplares, e a Igreja Memorial. Ali, milhares de formandos e familiares se reúnem para discursos sobre o futuro da educação, da política e da economia global.
Esta cerimônia será diferente neste ano. No centro da questão, o embate entre o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, e a universidade, que era certo e ganhou cortornos dramáticos na última semana. Em sua campanha, o republicano prometeu retaliar contra universidades que, em sua avaliação, promovem a cultura woke. EXAME esteve na convenção do partido no ano ado e viu in loco a aprovação de sua base eleitoral a essa promessa. E Harvard estava no topo da lista entre essas instituições. A comunidade de milhares de alunos e ex-alunos brasileiros ligados à universidade foi tomada de surpresa, medo e incredulidade pela decisão de proibir a instituição de matricular alunos estrangeiros — e revogar o visto estudantil de quem atualmente frequenta alguma das 13 escolas de Harvard.
É como restringir a possibilidade de sonhar, diz estudante brasileiro de HarvardAtualmente, a universidade e o governo federal disputam na justiça. O caso é emblemático para a comunidade acadêmica nos EUA. Harvard tem mais 7 mil alunos internacionais (26% do corpo discente). Mais de 1 milhão de estudantes de outros países estão matriculados em universidades americanas, segundo reportagem do Washington Post. O desfecho desse caso afeta, em alguma medida, a espinha dorsal do sistema educacional de ponta do país.
Nesta terça-feira, o site Politico informou que a gestão Trump avalia exigir que todos os estudantes estrangeiros que se candidatarem a estudar no país em por uma verificação nas redes sociais. Em preparação para essa verificação, o governo determinou que as embaixadas e seções consulares dos EUA suspendam o agendamento de novas entrevistas para esses candidatos ao visto de estudante.
"Há uma sensação de incredulidade. É difícil acreditar que a uma semana para a graduação isso esteja acontecendo. É uma sensação estranha porque você trabalha tanto durante a faculdade e agora é considerado ilegal", disse Eduardo Vasconcelos, que se forma neste ano na graduação de Harvard, em entrevista à EXAME.
Segundo ele, os últimos meses foram cercados de medo do que poderia acontecer e de ser perseguido ao se pronunciar sobre o caso. Outros estudantes e pesquisadores relatam que a apreensão com o tema vem desde a eleição de Trump. Neste momento, a principal sensação é de absoluta incerteza para os alunos e futuros estudantes.
"Há uma frustração que estejamos sendo utilizados como uma moeda de troca", diz, acrescentando que as medidas causaram indignação na comunidade estudantil. "Há uma indignação no ar, de quão rápido a democracia norte-americana erodiu. É uma indignação em torno do absurdo, de uma decisão que beira a insanidade. É uma mistura desses sentimentos."
Os mais de 200 estudantes, professores, pesquisadores e funcionários brasileiros que estão atualmente na instituição relatam reservadamente a incerteza diante da situação.
A medida do governo Trump afeta diversos públicos diferentes de estudantes, entre eles os que aram no último processo seletivo e estão em vias de ir para o ano letivo que se inicia em agosto; os que estão estudando ou se formando; e os que já se formaram e utilizam o Optional Practical Training (OPT), uma autorização temporária de trabalho.
No caso do OPT, alguns tipos de visto permitem a estudantes seguir nos Estados Unidos por um ou mais anos (a depender da área de atuação) após se formarem. Nesse caso, eles utilizam a universidade como patrocinadora de seu visto. É um período utilizado para se inserir no mercado de trabalho americano e, então, buscar outros tipos de visto que permitam que esses profissionais sigam carreira no país.
Para pesquisadores, o desafio também é notório. Linhas de pesquisa tiveram fundos cortados nos últimos meses (recentemente, Trump prometeu cortar US$ 3 bilhões de financiamento público a Harvard), o que aumenta a incerteza. Como seus programas são mais longos (mais de quatro anos), eles calculam os custos de se manter nos EUA diante das indefinições.
"A grande preocupação que temos como ex-alunos é como podemos nos engajar e tentar dar e a quem está lá", diz Lucas Borges, formado pela Harvard Business School em 2020 e atualmente no Brasil. "A grande discussão é como fica o longo prazo e como podemos ajudar."
"Estamos todos chocados", diz Leandro Machado, formado em istração pública pela Harvard Kennedy School em 2022. "Pega em um ponto pessoal: 'e se fosse eu neste momento">
Fabio Ostermann, que se formou no ano ado em istração pública pela universidade, aponta ser especialmente preocupante a demanda por filmagens de todos os protestos envolvendo estudantes estrangeiros no campus nos últimos cinco anos.
Para ele, a maior preocupação é sobre as garantias que a universidade teria de que o governo não enviaria estas evidências para outros país, colocando em risco a vida destas pessoas e de suas famílias.
"Ao longo dos últimos cinco anos houve incontáveis protestos na universidade. Além da impossibilidade logística de se reunir um material tão vasto em 72h, não há o menor cabimento em se punir e ameaçar toda uma comunidade acadêmica por conta de, literalmente, uma meia dúzia de defensores de terroristas que podem ser facilmente identificados e punidos", diz. "Espero que esta medida seja revogada e que o governo não incorra de fato neste erro absurdo."
Fachada da biblioteca Widener, de Harvard: cerimônia de formatura acontece neste local na quinta-feira, 29, em meio a incertezas sobre futuro de alunos internacionais (Marta Garde/EFE)
O último desenvolvimento do imbróglio foi uma fala de Trump nesta terça na qual prometeu congelar mais recursos para a universidade. No domingo, em post na Truth Social, sua rede social, ele demandou uma lista com os nomes de todos os estudantes estrangeiros na instituição. "Queremos nomes e países", escreveu.
"Por que Harvard não diz que quase 31% de seus alunos são de PAÍSES ESTRANGEIROS, e ainda assim estes países, alguns nada amigáveis com os Estados Unidos, não pagam NADA pela educação de seus estudantes, nem têm a intenção de fazer isso nunca">
Até esta terça-feira, 27, a proibição de Trump aos estudantes estrangeiros de Harvard estava suspensa por uma decisão liminar de um juiz federal. Na prática, ele impediu temporariamente que o Departamento de Segurança Interna dos EUA revogasse a matrícula de estudantes estrangeiros antes de uma audiência marcada para a quinta-feira, 29. Curiosamente, é a mesma data para a cerimônia de formatura de Harvard.
No processo, a universidade afirmou que a medida do governo federal viola direitos garantidos pela Primeira Emenda e pelo devido processo legal (leia a íntegra).
Nesta terça, segundo a Reuters, a istração de Serviços Gerais dos EUA enviou uma carta para que todas as agências federais revisem e potencialmente, encerrem ou realoquem seus contratos com Harvard, cujo valor foi estimado por um funcionário em cerca de US$ 100 milhões.
Entre universidades de ponta, a aposta é que o governo Trump perderá na Justiça a tentativa de reverter os casos de quem já tem o visto emitido. Nesse cenário, quem já está lá seguiria com o curso de seu visto — com a recomendação de não sair no país. Essa é uma situação pouco interessante para pesquisadores de Ph.D., por exemplo, cujo período de pesquisa é de quatro ou mais anos.
No entanto, como a emissão de novos vistos é competência do governo federal, a avaliação inicial é de que a atual gestão conseguirá manter sua decisão de proibir novas emissões de visto de estudantes para Harvard. Se acontecer, será algo sem precedentes, na visão de acadêmicos, e o risco é que outras universidades em pelo mesmo processo. A área mais afetada é a de pós-graduação.
Nessa análise, Harvard servirá como exemplo público. Com outras universidades, o processo pode se repetir, mas deve ser mais silencioso. Diversas instituições já questionam na Justiça decisões de cortar linhas de financiamento de pesquisa. O problema, apontam diversas fontes ouvidas pela EXAME, é a sensação que quaisquer movimentos podem ser retaliados.
Uma conversa que tem acontecido entre essas instituições, segundo apurou a EXAME, é a de apostar em seus campi fora dos Estados Unidos, isto é, ativá-los e promovê-los para atrair estudantes internacionais diante da incerteza no país. Muitas universidades têm sedes em países da Europa, Canadá, Singapura e outros países da Ásia. Atualmente, a maior parte desses departamentos é usada em escolas de negócios.
As políticas de Trump já causaram mudanças para pesquisadores brasileiros. Estela Shiratori, de 28 anos, começaria um programa de Ph.D. na Universidade Colúmbia neste ano, em setembro. Ela fez faculdade no Japão e um mestrado em educação em Harvard em 2023. Por motivos familiares, ela teve de voltar ao Brasil em 2024, enquanto aplicava para o Ph.D. na universidade sediada em Nova York.
Sua linha de pesquisa é sobre o à educação bilígue para imigrantes, o que a deixou insegura quanto à possibilidade de financiamento após cortes na Usaid, agência de ajuda humanitária dos Estados Unidos que sofreu diversas intervenções nos últimos meses. Ela se viu com muitas dúvidas diante das indefinições, como não conseguir pagar empréstimos assumidos, além de uma situação de vulnerabilidade por causa das mudanças potenciais para estudantes internacionais.
"Em março, decidi que não iria nem começar o programa de Ph.D.", diz à EXAME. "Estou no Brasil, em um período de transição profissional. ei toda minha vida adulta no exterior, no mundo acadêmico."
Para ela, a decisão foi tomada depois de pesar o investimento necessário e o risco. "São quatro anos de programa. Não sabemos quanto essa questão vai crescer, seja dentro do governo e da istração, seja a tensão pública. Ser uma imigrante em um país em que o governo é abertamente contra a presença de imigrantes gera vulnerabilidade", afirma.
Agora, ela avalia programas de doutorado no Brasil. "Estar de volta ao país é uma oportunidade de contribuir academicamente para o Brasil", diz. "O meu desejo é fazer aqui a contribuição acadêmica que eu faria lá."
A pesquisadora Renata Prôa, que pausou um programa de Ph.D. em neurociência teórica na Universidade Colúmbia para fazer um mestrado em Saúde Pública em Harvard, vive dilema semelhante. "Tem sido bem difícil, e gerado muita ansiedade", diz à EXAME.
Seu movimento — incomum, segundo ela mesma — se deu porque ela estava envolvida em um projeto de pesquisa do Sistema Único de Saúde (SUS), e o mestrado na escola T. Chan, de Harvard, era um caminho importante para causar impacto.
"Estou me formando e o objetivo era voltar para o meu doutorado e fazer uma pesquisa que emendasse com a saúde pública e com saúde ambiental, que eram as coisas que eu tenho trabalhado no projeto para o SUS atualmente", diz. "Já sei que isso não vai acontecer porque não tem mais recurso financeiro em departamento de saúde pública, muito menos de saúde ambiental."
Seu dilema é voltar para o programa de Ph.D. em Colúmbia ou tentar uma linha de pesquisa em Harvard. Mas as incertezas, em ambas as instituições, pesam. "Recebo uma notícia de que teoricamente Harvard não pode ter mais alunos internacionais. Fiquei com medo e sem entender se daria tempo de transferir meu visto de volta para Colúmbia, como que isso ia acontecer, como que isso me afetava. Sem previsão", diz.
Prôa havia aplicado para o OPT para entrar no mercado de trabalho americano enquanto se decidia. "Voltei atrás com a aplicação do OPT e toda essa transferência se enrolou", afirma. "E eu estou aqui na ansiedade, a poucos dias para me formar, sem saber como isso vai ser resolvido."