Agropecuária, sobretudo plantio de soja, destrói Mata Atlântica e Cerrado, denunciam entidades ambientais
Rio Bonito procurado por turistas pela água cristalina tem ficado turvo em épocas de chuvas ( Divulgação/Fundação Neotrópica)
Agência de notícias
Publicado em 26 de maio de 2025 às 09h01.
O avanço do plantio de soja está suprimindo o verde em Bonito (MS), um dos principais destinos do turismo ecológico do país. Entre 1985 e 2023, a área devastada foi de 90 mil hectares, o equivalente a 126 mil campos de futebol. A maior destruição teria ocorrido de 2019 a 2023: 5.600 hectares, uma média de 1.400 hectares por ano. Os dados foram divulgados este ano em documento conjunto dos institutos SOS Pantanal, Tamanduá, Líbio, Fundação Neotrópica do Brasil, MapBiomas e SOS Mata Atlântica. Formações florestais se transformaram também em pastagens, segundo as entidades.
Em 1985, aponta o documento, a área com plantio de soja na bacia hidrográfica do Rio Miranda, que corresponde a 94% do território de Bonito, era de 0,4%, ou 16 mil hectares. Em 2005, saltou para 2,3%, 80 mil hectares. Na última análise, em 2023, chegou a 7%, ou 300 mil hectares.
O estudo abrange uma área de 42 mil quilômetros quadrados da bacia, que representa aproximadamente 12% do Mato Grosso do Sul. A área de floresta, que era de 39%, agora é de 26%, redução de 562 mil hectares. O risco de degradação ambiental e de perda da biodiversidade compromete ainda o ecoturismo, que representa 60% do PIB de Bonito, segundo o IBGE.
O avanço da soja afeta os recursos hídricos por práticas como a instalação de drenos para secar áreas de nascentes. A água que escoa por eles leva sedimentos e lama até os rios, contaminando o lençol freático e causando assoreamento.
A abertura ilegal de 46 quilômetros de drenos às margens do Rio da Prata já resultou em multas de R$ 16,8 milhões aplicadas pelo Ministério Público depois que o curso d'água ficou cheio de lama, em 2018. Mas elas foram suspensas pelo desembargador Alexandre Bastos, do Tribunal de Justiça do Mato Grosso do Sul. Ele também arquivou as 12 ações que geraram as multas, a esta altura com uma proposta de custeio da recuperação ambiental da área fixada em R$ 3,2 milhões, divididos entre poder público (56%) e fazendeiros (44%), uma redução a um quinto do valor original, alegando que as punições “eram desmedidas”. Em novembro ado, Bastos foi afastado, por ser investigado pela Polícia Federal, com outros quatro desembargadores, por venda de sentenças.
— O Rio Mimoso era cristalino. Agora, no período das chuvas, alguns trechos ficam turvos. O fundo dos rios era rochoso e ficou arenoso. Também havia córregos intermitentes, que voltavam a encher depois da seca, mas isso não acontece mais em algumas localidades. O Rio da Prata ou mais de um mês com um grande trecho seco. Tudo é reflexo do desmatamento e das drenagens — afirma o biólogo Guilherme Dalponti, da Neotrópica.
Dalponti explica que as formações rochosas da região são de calcário e têm consistência frágil. O desmatamento diminui a capacidade de infiltração da água e aumenta as enxurradas, que destroem cachoeiras e piscinas naturais.
— Essa é uma área de transição entre a Mata Atlântica e o Cerrado, uma região especial. Há dez anos tentamos criar duas novas unidades de conservação nas nascentes dos rios da Prata e Formoso, mas encontramos muita resistência — recorda, acrescentando que audiências públicas para um acordo sobre a proteção da área e a indenização de proprietários foram sustadas pelo Sindicato Rural em 2015, por liminar.
De acordo com Dalponti, Bonito foi o município brasileiro com a maior área da Mata Atlântica devastada em 2020: 416 hectares. Em 2022, um levantamento da Neotrópica registrou pela primeira vez vestígios de agrotóxicos nos rios:
— Para desmatar as áreas da Mata Atlântica só é necessário fazer licenciamento on-line. Não existe vistoria de nenhum órgão. A análise das águas também mostra nitrogênio e fósforo, vindo de adubação química e esgoto.
As organizações responsáveis pelo documento sugerem um Zoneamento Ecológico-Econômico nas áreas essenciais para o turismo e a biodiversidade e o cumprimento da legislação que prevê o resguardo das áreas de preservação permanente. Procurados, o Instituto de Meio Ambiente de Mato Groso do Sul, a Secretaria de Meio Ambiente de Bonito e o Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul não responderam.