Analista vê 'tentativa do governo de fechar o cerco em torno do planejamento patrimonial'
São Paulo (SP), 16/12/2024 - Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, durante reunião com o Ministro da Fazenda, Fernando Haddad. Foto: Ricardo Stuckert/PR (Ricardo Stuckert/PR/Agência Brasil)

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Publicado em 24 de maio de 2025 às 09h02.

A incidência de IOF de 5% sobre valores mensais superiores a R$ 50 mil em planos de previdência (VGBL), conforme anunciado pelo governo na quinta-feira, vai inibir o uso da modalidade no país, avaliam especialistas ouvidos pelo GLOBO.

A medida, que entrou em vigor na sexta-feira, 23, estabelece cobrança de IOF de 5% nos planos de seguro de vida com cobertura por sobrevivência com aportes mensais superiores a R$ 50 mil. Abaixo desse valor, não há cobrança de imposto. Em coletiva na quinta-feira, o secretário da Receita Federal, Robinson Barreirinhas, disse que o governo identificou "uma brecha para evasão fiscal em um instrumentos de previdência complementar" por pessoas de alta renda.

Para João Almeida, diretor de Wealth Management da Suno Wealth, haverá redução de aportes, já que a cobrança desincentiva aplicações altas, pois o investidor começaria com uma perda imediata de capital:

Se você aporta R$ 100 mil, no mesmo dia tem R$ 95 mil. O dinheiro precisa render só para recuperar o valor inicial. Isso torna o VGBL pouco atrativo para grandes aportes.

O economista questiona o argumento de isonomia usado pelo governo para justificar a medida, já que não há outros investimentos financeiros com taxa de entrada tão elevada. Para ele, trata-se de uma tentativa do governo de fechar o cerco em torno do planejamento patrimonial:

"Primeiro vieram os fundos exclusivos, depois as offshores. Agora, atingiram os fundos de previdência."

Segundo Almeida, a tendência é que o PGBL, outro tipo de plano previdenciário e que permanece isento da nova tributação, torne-se mais atraente em alguns casos. Outra possibilidade é que esses aportes sejam fatiados, com valores abaixo de R$ 50 mil mensais.

"R$ 50 mil por mês é um valor que poucos brasileiros aportam com frequência. Então, a mudança atinge quem vende uma empresa ou imóvel e quer aplicar R$ 1 milhão ou R$ 2 milhões de uma só vez. Isso não será mais feito via VGBL ou, então, será diluído em vários meses, com aportes menores" — afirma.

Cristiano Corrêa, professor de Finanças do Ibmec-SP, acredita que a medida é prejudicial para o segmento previdenciário:

"O governo alega que é para preservar a segurança previdenciária, mas não me parece uma justificativa. A sensação é que o governo tentou achar brechas para ter o mínimo de rendimento."

Por isso, Corrêa acredita que pode haver uma reavaliação sobre esse tipo de investimento, que tem objetivo de longo prazo:

"Em um país onde o juro é muito alto, as pessoas vão fazendo aplicações onde acham custos menores."

Haverá revisão de estratégias, diz tributarista

Eduardo Natal, sócio do escritório Natal & Manssur Advogados e presidente do Comitê de Transação Tributária da Associação Brasileira da Advocacia Tributária (Abat), afirma que a incidência do IOF altera significativamente a lógica de uso desse instrumento.

"Antes isento de IOF na entrada, o VGBL era visto como uma alternativa fiscalmente eficiente para alocação de grandes volumes, com tributação apenas sobre os rendimentos, conforme tabela regressiva, de 35% para resgates em até dois anos, caindo gradualmente até 10% após dez anos. Com o novo modelo, o governo busca equiparar o custo tributário de investidores que aportam valores mais elevados a uma carga média mínima próxima de 15% ao final do período de dez anos", desincentivando o uso intensivo do VGBL como ferramenta de planejamento fiscal de curto e médio prazo — explica o tributarista.

Para Natal, com isso, a medida anunciada pelo governo tende a inibir o uso do VGBL por investidores que realizavam grandes aportes mensais com o objetivo de obter economia fiscal, especialmente aqueles que visavam manter os recursos por longos períodos para alcançar a menor alíquota da tabela regressiva.

"A incidência imediata de 5% sobre o valor aportado compromete a eficiência tributária do produto para esse perfil. Com isso, é possível prever um esvaziamento parcial da modalidade ou, ao menos, uma reavaliação das estratégias, com redução dos aportes para valores inferiores ao limite de R$ 50 mil, de forma a evitar o novo encargo. Assim, a mudança não atinge a atratividade do VGBL para o investidor comum, mas impacta diretamente a estratégia de quem vinha utilizando o instrumento como veículo de alocação patrimonial com foco em redução fiscal", afirma.

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