Economia

Alta do IOF tem efeito semelhante à da Selic e pressiona inflação, diz Samuel Pessôa

Segundo pesquisador, a medida encarece, sobretudo, empréstimos de curto prazo, como capital de giro. Esse aumento de custo para empresas pressiona os preços

Samuel Pessôa: resultado do PIB do primeiro trimestre não deve mudar rota de desaceleração da economia brasileira ao longo do ano (Um Brasil/Divulgação)

Samuel Pessôa: resultado do PIB do primeiro trimestre não deve mudar rota de desaceleração da economia brasileira ao longo do ano (Um Brasil/Divulgação)

Antonio Temóteo
Antonio Temóteo

Repórter especial de Macroeconomia

Publicado em 31 de maio de 2025 às 08h01.

Última atualização em 31 de maio de 2025 às 11h45.

O crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) não deve reverter o processo de desaceleração em curso na economia. A análise é de Samuel Pessôa, pesquisador associado do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre) da Fundação da Getulio Vargas (FGV) e sócio do Julius Baer Family Office (da mesma holding que controla a EXAME).

"Temos um trimestre em que a demanda interna não rodou acima do PIB. Parece que há uma leve desaceleração em uma economia que está com excesso de capacidade", diz.

Segundo Pessôa, as medidas adotadas pelo governo, como liberação de recursos do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), novas regras do consignado privado e mais dinheiro para o Minha Casa Minha Vida, podem dar um fôlego à economia. Os juros altos, entretanto, limitam esse processo, aponta.

"A impressão que eu tenho é que esse juro muito alto meio que compensa esses estímulos. É uma situação muito ruim esse “pé no acelerador” e esse “pé no freio”. É um regime de política econômica muito ruim. Mas parece que tem uma certa desaceleração. O PIB está crescendo a 2%, com uma situação fiscal ruim, com política parafiscal e creditícia pressionada e a política monetária tendo que compensar", afirma.

Uma compensação também é observada, segundo o pesquisador, quando são analisadas as consequências da elevação de alíquotas do Imposto sobre Operação Financeira (IOF). Segundo ele, a proposta encarece o custo de crédito para as empresas, assim como ocorre com a Selic. Entretanto, ele diz que a medida terá um peso sobretudo nas operações de menor duração, como capital de giro, o que encarece os custos das empresas. E esse aumento de custo pressiona a inflação.

"Mas como [o IOF] pega empréstimos para prazos pequenos, afeta capital de giro. Aí, aumenta o custo operacional das empresas. E isso é um choque negativo de oferta. Por esse canal, pressiona a inflação. A trajetória futura da Selic pode ser um pouco menor do que seria sem essa política. E esse efeito corresponde a algo como [uma alta da Selic] entre 0,25 ponto percentual e 0,5 ponto percentual. É um número menor que 0,5 ponto percentual porque tem efeito na direção contrária, de pressionar a inflação", diz.

Leia abaixo a entrevista na íntegra.

O que o resultado PIB indica para os próximos trimestres?

Ainda é preciso olhar com mais cuidado [o resultado do PIB]. A impressão que eu tenho é que, apesar de o resultado ter sido alto, não reverte aquela sensação de desaceleração que vinha do quarto trimestre. Quando a gente pega a demanda interna é preciso descontar desse resultado a importação de uma plataforma de petróleo [comprada pela Petrobras da China] que já estava aqui [no Brasil]. Descontando a plataforma, a gente tem um trimestre em que a demanda interna não rodou acima do PIB. Parece que há uma leve desaceleração em uma economia que está com excesso de capacidade. Parece que a economia vai rodar nesse nível sem pressionar a base de recursos da economia. Eu diria que o crescimento anual em torno de 2% parece compatível com a divulgação do PIB. E esse crescimento anual prevê a manutenção da desaceleração pelos próximos trimestres.

A liberação de recursos do FGTS e o novo crédito consignado privado podem dar fôlego ao crescimento econômico?

O crédito consignado privado pode dar fôlego, assim como a liberação do FGTS. No próximo ano, é possível que tenhamos mudança da tabela do Imposto de Renda [com isenção para quem ganha até R$ 5 mil]. Também há o programa social para a conta de luz, mais recursos para o Minha Casa Minha Vida e fala-se de aumento do [valor do] Bolsa Família no próximo ano. É um pacote que não é desprezível. Mas estamos com juro muito alto. A impressão que eu tenho é que esse juro muito alto meio que compensa esses estímulos. É uma situação muito ruim esse “pé no acelerador” e esse “pé no freio”. É um regime de política econômica muito ruim. Mas parece que tem uma certa desaceleração. O PIB está crescendo a 2%, com uma situação fiscal ruim, com política parafiscal e creditícia pressionada e a política monetária tendo que compensar.

A alta do IOF ajuda a política monetária e equivale, na prática, a uma alta de juros?

Em princípio, sim, porque encarece o custo de crédito. Como Selic é para encarecer toda a alocação intertemporal, nesse sentido substitui um pouco a Selic. Mas como pega empréstimos para prazos pequenos, afeta capital de giro. Aí aumenta o custo operacional das empresas. E isso é um choque negativo de oferta. Por esse canal, pressiona a inflação. A trajetória futura da Selic pode ser um pouco menor do que seria sem essa política. E esse efeito corresponde a algo como [uma alta da Selic] entre 0,25 ponto percentual e 0,5 ponto percentual. É um número menor que 0,5 ponto percentual porque tem efeito na direção contrária, de pressionar a inflação.

"Como [a alta do IOF] pega empréstimos para prazos pequenos, afeta capital de giro. Aí, aumenta o custo operacional das empresas"

O ministro da Fazenda tem dito que é necessária harmonia entre a política fiscal e a política monetária. Isso tem ocorrido?

A gente teve desarmonia até pouco tempo atrás. Nesse primeiro semestre, estamos com a política fiscal contracionista. Mas, como a gente viu, temos outros elementos. Esse consignado é uma medida positiva do ponto de vista microeconômica, mas não é oportuno.

Por quê?

Porque a economia está a plena carga e lutando contra a inflação.

Falta um convencimento da classe política sobre a necessidade de um equilíbrio fiscal?

Há compreensão, mas a construção política é difícil. Todo mundo tem que ceder e a liderança tem que começar com presidente Lula. E ele está refratário a essa agenda. Política de valorização do salário mínimo é incompatível com o equilíbrio fiscal. Se não mexer nisso, não vai equilibrar a política fiscal. A gente vai ter uma crise fiscal nos próximos um ou dois anos. O presidente não quer mexer no indexador nos gastos mínimos de saúde e educação. Se não mexer nisso, não há equilíbrio. Como o presidente [Luiz Inácio Lula da Silva] não quer dar primeiro o, o Congresso não dá o ado dele é de cortar benefícios fiscais, colocados pelo Congresso e muito lobby para manter isso. Por outro lado, o Congresso não se dispõe a cortar emendas.

"Política de valorização do salário mínimo é incompatível com o equilíbrio fiscal. Se não mexer nisso, não vai equilibrar a política fiscal"

E como é possível tocar essa agenda?

Primeiro, o presidente precisa arcar com o custo de acabar com indexado e restringir alta do mínimo a inflação ada por alguns anos. Ao fazer isso, é possível criar espaço para que Congresso negocie a redução de emendas e do gasto tributário. Talvez possa até negociar com o Judiciário um mecanismo para limitar gastos com salário. Essa agenda tem que partir do presidente da República. Ele tem que estar disposto a tocar essa agenda. Nós temos eleição daqui a um ano e meio. Talvez seja possível tocar essa agenda no próximo mandato.

Já que essa agenda não deve ser tocada, o que nos resta é aguardar mais uma crise fiscal?

Depois da eleição, não teremos necessariamente uma crise fiscal, mas vamos para um processo de ajuste fiscal. Se não formos para esse processo, teremos uma crise fiscal.

O que significa essa crise?

Paralisia da máquina pública, aumento da dívida pública, prêmio de risco pressionado, cambio desvalorizado, estagflação, economia crescendo pouco ou nada, com inflação em alta.

Isso ocorreu no ado recente.

Há semelhança entre 2025 e 2026 com 2013 e 2014, quando estávamos com a economia em pleno emprego, inflação de serviços pressionada, déficit público crescente e salários crescendo mais que produtividade do trabalho. Os desafios já estão postos.

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