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O esvaziamento silencioso da B3

Após pico de euforia levar o número de companhias listadas a 463 em dezembro de 2021, a maré virou

 (b3/Divulgação)

(b3/Divulgação)

Publicado em 14 de maio de 2025 às 13h39.

Última atualização em 15 de maio de 2025 às 14h16.

O sino que tradicionalmente anuncia a chegada de novas empresas à bolsa de valores, celebrando um IPO, parece ter emudecido e acumulado poeira na B3. Pior ainda, o movimento tem sido exatamente o oposto, com companhias fazendo as malas e dando adeus ao nosso mercado de ações.

Acompanho o mercado brasileiro há muitos anos e, confesso, o cenário atual me inquieta profundamente. Vimos um pico de euforia levar o número de companhias listadas a 463 em dezembro de 2021, impulsionado por muitas estreias. Desde então, a maré virou. Em meados de 2024, o número havia caído para 429, chegando a 421 no início de 2025. Perdemos mais de 40 empresas em pouco mais de três anos.

E por que isso deveria importar além da Faria Lima? Bem, um mercado de capitais que encolhe não é um problema isolado. É um sinal de alerta para toda a economia real. Menos empresas na bolsa significa, na prática, menos o a capital para investimento em expansão, tecnologia e inovação. Isso se traduz diretamente em menor capacidade de financiar o crescimento, o que leva a menos empregos e a um país menos dinâmico para todos nós.

Essa "debandada" não me parece uma série de coincidências. Enxergo-a como um reflexo direto de um ambiente econômico e de negócios que se deteriorou no Brasil, um espelho das dificuldades conjunturais e estruturais que enfrentamos. A decisão de uma empresa de abrir ou manter seu capital na bolsa, aceitando o escrutínio do mercado em troca de o a financiamento, funciona como um termômetro da vitalidade econômica e da confiança no futuro. E o nosso termômetro aponta para baixo.

O silêncio do sino dos IPOs é gritante. A última oferta pública relevante na B3 aconteceu no segundo semestre de 2021. Já atravessamos mais de três anos sem novas empresas buscando o mercado de ações para financiar seus planos. É a maior seca em pelo menos duas décadas, um contraste brutal com as 42 estreias que tivemos só em 2021.

Enquanto a porta de entrada acumula poeira, a de saída permanece escancarada. Empresas estão deixando a B3 através de Ofertas Públicas de Aquisição (OPAs) voluntárias. A Cielo concluiu a sua em agosto de 2024; Eletromídia segue o mesmo caminho; ClearSale e Santos Brasil engrossaram a lista. Rumores envolvem LWSA, Positivo e Ourofino. Olhando os últimos dez anos, o número de fechamentos (93 OPAs) quase empatou com o de aberturas (94 IPOs), revelando uma tendência estrutural preocupante. A variedade de motivos – desde OPAs estratégicas e M&A até recuperações judiciais – mostra que o problema afeta tanto empresas saudáveis quanto as que lutam para sobreviver.

Mas por que isso está acontecendo? Comecemos pelo ponto mais sensível: a taxa de juros. A Selic está em 10,50% ao ano. Esse número, isoladamente, não conta toda a história. Ele precisa ser entendido como uma consequência direta da percepção de risco elevadíssima associada ao Brasil. Essa taxa é a febre que denuncia a infecção. E a infecção, sejamos claros, deriva da profunda desconfiança gerada pela condução econômica do governo. O desarranjo fiscal, gastos sem fontes claras, sinalizações erráticas e hostis à responsabilidade fiscal elevam o "risco-País". Investir aqui fica caro. Portanto, brigar com a Selic é como brigar com o termômetro – inútil e desvia o foco da urgência em arrumar as contas públicas e restaurar a credibilidade. Enquanto a indisciplina fiscal e a incerteza persistirem, o custo do capital sufocará o investimento produtivo, tornando a renda fixa uma concorrente imbatível para a bolsa.

Além do cenário macroeconômico adverso, pesa sobre o ambiente de negócios um veneno antigo: nossos problemas estruturais. Destaco a grave insegurança jurídica. A imprevisibilidade das decisões, as mudanças de regras, a dificuldade em fazer valer contratos criam um risco enorme para o investimento de longo prazo. Como justificar manter uma empresa listada, com todas as suas exigências e custos (taxas, auditorias, advogados, RI), se as regras do jogo podem mudar a qualquer momento?

Some-se a isso a conhecida teia burocrática, a carga tributária complexa e um sistema regulatório instável – o infame "Custo Brasil". Esses problemas estruturais não são novos, eu sei. Mas seu impacto é brutalmente amplificado pelo cenário macroeconômico adverso. Com juros altos, crescimento baixo e valuations deprimidos, a conta simplesmente não fecha mais para muitos. O fardo fica pesado demais, e a decisão de fechar o capital, ou nem mesmo abri-lo, torna-se a mais racional. A insegurança jurídica, em especial, corrói a confiança, base de qualquer mercado de capitais. Não é à toa que vemos empresas brasileiras cogitando buscar listagem em mercados mais previsíveis.

O resultado prático de menos empresas listadas e da falta de IPOs é claro. Significa menos capital disponível para as companhias investirem em expansão, tecnologia e inovação. Significa menos capacidade de financiar o crescimento. E menos investimento se traduz, invariavelmente, em menor geração de empregos e numa economia menos dinâmica, com menos oportunidades para todos nós.

A bolsa de valores, que deveria ser um motor de desenvolvimento, hoje parece mais um espelho rachado, refletindo as fraturas da nossa economia e política. Juros altos que são sintoma de desarranjo fiscal, um ambiente de negócios hostil pela insegurança jurídica e burocracia, e uma profunda crise de confiança agravada por uma gestão econômica que não entrega a previsibilidade necessária.

A saída de empresas da Bolsa não é o problema em si. É o sintoma febril, o alerta vermelho piscando no . Ignorar esses sinais é tratar a febre sem atacar a doença real.

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