Ainda não há no Brasil lei que regulamente as heranças digitais (Foto/Thinkstock)
Bússola
Publicado em 30 de junho de 2021 às 18h25.
Última atualização em 30 de junho de 2021 às 18h50.
Por Guilherme da Mata Vasconcellos*
Senhas, contas, aplicativos, filmes, livros digitais, todos os dados utilizados, publicados ou armazenados na internet podem compor o que chamamos de herança digital. São bens ou direitos utilizados, armazenados em servidores virtuais ou plataformas, sendo possível á-los de modo online e offline. Nesse caso, não diz respeito aos bens e materiais físicos.
Parte do nosso acervo digital não tem valor econômico, como no caso de conversas privadas, postagens pessoais, as curtidas e os comentários. Esses elementos podem ser chamados de “personalíssimos” e, em geral, não se transferem com a morte do titular. Por outro lado, os aplicativos pagos, s de streamings, livros ou filmes digitais já comprados, fazem parte do nosso acervo com valor econômico.
No caso de contas influentes em redes como Instagram, YouTube e TikTok, com alto número de seguidores e monetização, por exemplo, os usuários podem utilizar contas do Google Drive ou iCloud para armazenar seus acervos produzidos para publicação, incluindo músicas e vídeos. Assim, tudo o que tem valor patrimonial integra a herança e será transmitido aos herdeiros.
Como o testamento pode ter conteúdo extrapatrimonial, é possível prever, por exemplo, se desejamos que nossas contas pessoais sejam excluídas ou transformadas em memorial. Nesse último caso, podemos indicar quem gostaríamos que fizesse a istração e quais poderes essa pessoa teria.
Com ou sem valor econômico, há um interesse crescente por definir o destino dessas informações. Para assegurar que todos esses interesses sejam reconhecidos e contemplados, a melhor postura, então, é a de precaução: optar por elaborar um consistente plano sucessório e ter um bom planejamento patrimonial.
No Brasil, ainda não há uma lei que regule especificamente a matéria da herança digital. Atualmente, tramitam iniciativas para suprir essa falha. São três projetos de lei em debate na Câmara dos Deputados, os de nº 1.689/2021, 3.050/2020 e 5.820/2019, e um tramitando no Senado Federal, de nº 6.468/2019.
A valoração econômica é elemento unânime em todos os projetos, mas o detalhamento sofre algumas variações. São indicados, entre os diversos projetos, conteúdos, contas ou arquivos digitais, vídeos, fotos, livros, senhas de redes sociais, dados e demais publicações de redes sociais usadas para fins econômicos, divulgação de atividade científica, literária, artística ou empresária, direitos autorais e dados financeiros.
Um dos problemas é autorizar somente a transmissão dos elementos com valor econômico, pois não é suficiente para isolar o que tenha caráter personalíssimo. Quando a lei prevê a possibilidade de transferir a senha, o o do herdeiro será tão abrangente quanto o o do titular, incluindo as conversas privadas. Da forma como estão propostos, esses projetos não protegem a privacidade do falecido.
Os projetos atuais também discorrem sobre o destino das contas após a morte do titular. Busca-se autorizar o cônjuge e os parentes até o segundo grau a exigir a exclusão da conta, mas isso só será possível caso o falecido não tenha deixado instruções contrárias. Em contrapartida, quando o titular da conta decide pela não exclusão, ele deve indicar, em vida, quem gostaria que istrasse suas contas.
As soluções propostas ainda não são completas nem coerentes. O debate ainda precisa ser muito aprofundado. Na ausência de definição legal, a posição mais prudente é delinear, em vida, o plano sucessório. Quando há interesse econômico envolvido, a política de gestão da herança digital deve ser cuidadosamente analisada e integrada em um plano sucessório seguro e consistente, para garantir o interesse do usuário.
Cada rede social tem, nos seus termos de uso, as regras para lidar com a herança digital quando um usuário falece. Para não depender dos termos de uso e para alcançar a melhor solução possível, o ideal é fazer um planejamento.
Nele, é possível fazer um testamento e incluir o que tem valor econômico, como as postagens patrocinadas e s, por exemplo. Também é possível fazer disposições quanto ao que tiver valor subjetivo, como o futuro das contas sem conteúdo econômico, das postagens já feitas e mensagens já enviadas.
Quando um usuário do Instagram morre, a conta só será removida por solicitação de um familiar e poderá ser transformada em memorial também a pedido dos familiares ou de outros usuários da rede. Nos dois casos, os dados para e senha não serão divulgados para os familiares e, quando a conta é transformada em memorial, não é mais possível alterar nenhuma das postagens ou configurações anteriores. O perfil não será mais exposto em espaços públicos, como na seção “explorar”.
O Facebook também permite que a conta de um usuário falecido seja removida ou transformada em memorial. Ele autoriza que o usuário escolha um contato herdeiro para istrar sua conta caso ela seja convertida em memorial. O contato herdeiro pode mudar a foto do perfil, fixar postagens e aceitar solicitações de amizade, mas não poderá fazer novas postagens, nem ver ou enviar mensagens.
Em geral, a lógica das plataformas é preservar a privacidade do usuário falecido. Quando, no entanto, as contas têm aspectos econômicos, como s ou mesmo monetização, essa solução pode acabar desconstruindo os frutos conquistados do trabalho do usuário. Dessa forma, é importante se prevenir e fazer um planejamento sucessório para balancear melhor os interesses.
*Guilherme da Mata Vasconcellos é coordenador jurídico e especialista em direito da família e sucessões no escritório Marcelo Tostes Advogados.
Este é um conteúdo da Bússola, parceria entre a FSB Comunicação e a EXAME. O texto não reflete necessariamente a opinião da EXAME.
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